segunda-feira, 16 de abril de 2012

trechos da entrevista do cheff alex atala à Revista GOSTO

Trechos da Entrevista do Cheff Alex Atala à Revista GOSTO
Por Cláudio Fragata
Acessado em 01/03/2012 in www.revistagosto.com.br

GOSTO - Em 2010, o D.O.M. galgou a 18ª colocação na lista San Pellegrino World's 50 Best Restaurants. Acha que chegará ao primeiro lugar algum dia?
ATALA- Acredito que não. O 18º lugar foi o máximo que a gente conseguiu e é muito. Esse posto para o Brasil é alto. Qual o critério da lista? Ela privilegia experiências únicas. Desse ponto de vista, o D.O.M. foi vitorioso porque é único e não tenho vergonha de afirmar isso. O Brasil possui outros ótimos restaurantes que poderiam estar na lista. Tenho certeza de que nossos italianos e japoneses revelam calibre para brigar com gente grande. E por que não estão lá? Porque existem restaurantes muito bons em todo o mundo nesses segmentos, a concorrência é muito maior. A lista não é um guia, não destaca os melhores, destaca os únicos. Emendo uma boa razão para achar que dificilmente passaremos do 18º lugar. Hoje ficou bem mais fácil viajar e as pessoas vão atrás de experiências gastronômicas únicas. Se eu for ao Japão, não é para comer pizza, se eu for à Itália, não é para comer cassoulet. Acontece que o Brasil não está na rota dos gourmets do mundo. Por isso entendo que o 18º posto foi zebra. É bom demais, mas é melhor não contar com isso todo dia... Zebras não acontecem todo ano.
GOSTO- Quem é mais conhecido no exterior, a culinária brasileira ou Alex Atala?
ATALA- Alex Atala, infelizmente. Essa é minha virtude e meu castigo. Não se constrói um time com apenas um craque. Fiz bastante, mas não o suficiente. O bom seria abrir caminho e promover outras pessoas. O D.O.M. completou 11 anos. Quando me lembro do dia em que parei em frente ao local onde ele funciona e pensei em abrir meu restaurante, nunca imaginei que estaria agora falando de cinco anos de premiação internacional e que várias revistas me apontariam como um dos chefs mais importantes do mundo. Nunca imaginei isso! Mas vou dar um exemplo que demonstra como são as coisas: em apenas 15 anos, a nouvelle cousine ganhou uma efervescência mundial, murchou e virou démodé. Eu corro exatamente o mesmo risco. A única maneira de não me transformar em uma moda passageira é a culinária brasileira demonstrar sua riqueza lato e stricto sensu, na diversidade de chefs e nos tipos de cozinha que podemos ter, nos ingredientes e nas variações de trabalho sobre eles. Desconhecemos parte da nossa cozinha. O brasileiro é capaz de saber que o crepe bretão é feito de trigo sarraceno e não sabe quais são as diferenças de nossas farinhas. Comer o chibé que a Mara Sales faz é completamente diferente de pegar uma farinha de mercado e jogar água dentro. A farinha que ela usa é fermentada e dá um sabor único ao prato. Conhecemos pão do mundo inteiro e desconhecemos a nossa mandioca. Temos pouquíssimos estudos sobre ela.
GOSTO- Qual sua maior contribuição à gastronomia brasileira?
ATALA- Mostrar que ela é possível. Se eu fiz alguma coisa de bom foi isso. Nunca farei cozinha francesa tão bem quanto um francês, nem sushi tão bem quanto um japonês, nem macarrão tão bem quanto um italiano. Ninguém pode fazer cozinha brasileira melhor do que um brasileiro. Acho que isso era uma coisa que estava escrita.
GOSTO - O que falta para nossa cozinha se tornar internacional?
ATALA- É uma questão de tempo. A Califórnia conseguiu imprimir sua personalidade no califórnia roll, um sushi diferente, derivado do japonês. Se ele existe, podemos fazer o mesmo. É possível que o nosso sushi pantanal (pepino com salmão batido e cream cheese) e outras variações brasileiras da receita ganhem a mesma dimensão algum dia. Acho que o Jun Sakamoto, o Tsuyoshi Murakami, o Shin Koike, o Riyoiti Yamashita, todos esses caras vão acabar conseguindo isso porque o que temos hoje em matéria de sushi é parrudo, é peso pesado. Nossos mercados de peixe precisam ser aprimorados no sentido de cuidarem melhor do produto, mas feito isso tenho absoluta certeza de que esses jovens e talentosos sushimen que estão por aí terão palco para trabalhar. Acho também que as escolas de cozinha italiana e francesa vão gerar muitos frutos. 
GOSTO- Algumas pessoas dizem que sua gastronomia é uma reinvenção da culinária franco-brasileira. Concorda com isso? 
ATALA- Concordo em parte. O que fiz foi cozinha brasileira com técnicas francesa e europeia de maneira geral. Pratico uma cozinha muito libertina do ponto de vista étnico, mas profundamente enraizada quando se trata de sabor. O que eu entrego no final só pode acontecer no Brasil.
GOSTO - Qual é o carro-chefe do D.O.M. hoje?
ATALA - São os menus-degustação. Meu grande sonho seria trabalhar só com eles. É o sonho maior de todo chef. Hoje, orgulhosamente posso falar que 70% de meus clientes pedem menu-degustação. Isso é um grande desafio. Uma revista me criticou dizendo que no D.O.M. tudo era automático porque a maioria dos clientes pedia menu-degustação. Será que as pessoas sabem o grau de complexidade que é servir 11 pratos sem errar a apresentação, o vinho e a troca de talheres? Tudo precisa ser minuciosamente ensaiado como uma peça de teatro. O D.O.M. não tem a maioria dos clientes comendo menu-degustação porque Deus quis... 
GOSTO- Quais as diferenças entre o D.O.M. e o Dalva e Dito?
ATALA- O Dalva e Dito é uma licença poética aliada a uma vontade de ganhar mais dinheiro. Primeiro porque não acho feio ganhar mais. Quando abri o D.O.M., a casa tinha 90 lugares, hoje possui 50 e pretendo diminuir. O tipo de qualidade que proponho servir não é convergente com escala. Ela é artesanal. Quanto melhor fica meu restaurante, pior fica o meu negócio. Por isso um dos motivos de fazer o Dalva e Dito. As pessoas têm uma difícil compreensão do que é um restaurante. Não se trata de um ateliê de arte, é um negócio. Emprego 70 pessoas e tenho de pagá-las. E eu, como todo mundo, trabalho para ganhar dinheiro. Não sou o único. As pessoas querem que o chef tenha um negócio pequeno. É complicado gerir essa equação. Mas, poxa, não tenho patrão pra pedir aumento! A segunda coisa que me fez abrir outro restaurante foi a ideia de valorizar a cozinha afetiva. Na verdade, essa foi a primeira semente que motivou o Dalva e Dito, a escolha do nome e de todo o conceito da casa. Eu aprendi a comer risotto ainda criança. O risotto que minha mãe me servia era o arroz de forno, com restinho de tudo. Pergunto uma coisa: por que um restaurante não pode servir isso, mas pode servir pilaf? Não é aproveitamento? É feio fazer isso? Nossa mãe cozinha mal? De forma nenhuma. As culinárias francesa, italiana, espanhola deixaram essa lição. Grandes receitas são maternais, heranças que a gente recebe. Vejo o Brasil muito bem representado em suas cozinhas regionais, mas ainda mal representado nas afetivas. Então, o Dalva e Dito nasceu desse sonho. 
GOSTO- Desde o início já se preocupava com ingredientes brasileiros? 
ATALA- Essa preocupação sempre existiu. Se cada ingrediente tivesse uma cor, o Brasil teria a maior paleta de cores do mundo. Há dois momentos difíceis para um cozinheiro: um quando não tem nada para cozinhar e outro quando tem muito e vem aquela desagradável sensação de que vai perder tudo aquilo. É o que eu vivo no meu dia a dia. Há muita coisa para se trabalhar! A Embrapa fala de mais de 250 tipos de mandioca. Tenho um leque imenso de coisas da Amazônia, assim como do Cerrado. Uma vida inteira dedicada à cozinha brasileira ainda é pouco.
GOSTO- A região Sul não desperta sua curiosidade?
ATALA- O Sul do Brasil não tem a diversidade do Cerrado e está longe de ter a da Amazônia. Mas é o lugar onde as colônias deixaram as marcas mais profundas no cotidiano das pessoas. Tem uma inteligência naquela cozinha ali pela qual ando muito fascinado. Se gastronomia é a arte de levar uma receita ao seu melhor momento, a expertise que temos hoje do churrasco é gastronomia. Em qualquer lugar do mundo onde se for a um espeto corrido ou rodízio, o formato da picanha é igual, o processo de servir é o mesmo, o jeito que os caras seguram o espeto e a faca é igual. A gestualidade nesse caso foi tão bem pensada quanto a de se fazer um nigiri sushi ou a dos procedimentos de se abrir uma lagosta. A culinária do Sul do Brasil me fascina pela simplicidade e também pela precisão na execução. 
GOSTO- Ser garoto-propaganda do Caldo Knorr foi bom ou mau? 
ATALA- Foi muito bom porque eu ganhei um dinheiro que em anos de restaurante não ganharia. Para quem não sabe, não gozo de uma situação financeira polpuda. Montei o Dalva e Dito e quase fali. Graças a Deus, consegui virar a própria mesa e hoje a coisa caminha bem! O D.O.M. está bonitão, não está? Boa parte da reforma saiu do Caldo Knorr (risos). 
GOSTO -Como surgem as ideias dos seus novos pratos?
ATALA- Chef de cozinha é uma condição do profissional cozinheiro. Tem gente que fala que é chef, mas trabalha em casa. Então o cara não é chef, é cozinheiro e digo logo que isso é bonito. Eu sou um chef de cozinha porque tenho uma responsabilidade. Um chef não precisa apenas cozinhar bem. Ele também tem de extrair bons resultados de uma equipe e isso é outra mecânica. O fato de ser reputado como um dos chefs mais importantes do mundo me faz viajar. Tenho menos tempo para ficar na minha cozinha. Entretanto, não significa que minha função está descoberta. O Giovani, meu subchefe, cuida de tudo muito bem, continua fazendo o D.O.M. subir nos rankings, mantém os clientes satisfeitos. Sou menos chef do que já fui, mas jamais deixarei de ser cozinheiro. É muito mais fácil para mim ser criativo quando estou na cozinha porque ali posso experimentar. O insight acontece lá dentro. A criação vem junto com a execução. Nesses últimos anos, viajei muito e ficou mais difícil criar um prato novo. É no exercício de minha cozinha que sou mais profundamente criativo. De cara pro fogão. Ali 19 não é 20. 
GOSTO- A geração atual já perdeu a vergonha de fazer comida brasileira?
ATALA- Acho que sim, como perdeu a vergonha de usar uniforme, né? Lembro-me de que, nos anos 90, no Filomena, os meninos vinham estagiar comigo meio tímidos, querendo aprender a cozinhar, mas na hora de sair para balada, arrancavam a roupa de trabalho. Hoje quantos cozinheiros a gente vê pela rua! A profissão ganhou, o mercado ganhou, São Paulo ganhou. 
GOSTO - Por que os chefs têm hoje status de celebridade?
ATALA- Donos de restaurantes sempre foram celebrizados. Giancarlo Bolla é um exemplo disso. O chef, sim, ganhou protagonismo agora. Há um lado ruim nisso, mas há outro bom: a profissão ganhou notoriedade. No meu caso, não entrei na cozinha para ser famoso, mas não achei ruim ficar famoso. E, já que a fama veio, se aparecer a oportunidade de fazer dez Caldos Knorr, farei... (risos).
GOSTO- O sucesso da moderna cozinha nacional melhorou a autoestima dos brasileiros?
ATALA- Já há eventos montados exclusivamente para a cozinha brasileira. Isso é sensacional. O chef muitas vezes é apenas mais um: o produtor ganha evidência, a dona de casa ou a índia velha ganha evidência e aí a gente vê quanta cultura há por trás dessa rede. Eu entendo que um chef ganhe louros por fazer boa comida, mas o agricultor não pode ser esquecido. A gente não opera milagres. Não fazemos comida boa com coisa ruim. Essa cadeia precisa ser melhor entendida. Na França e em diversos lugares do mundo o cara põe no cardápio a procedência de seus produtos, tipo "aspargos de tal fazenda". Precisamos fazer o mesmo. Uma moça me mandou uma carta com uma caixinha de alho preto e hoje ela virou uma empresa. 
GOSTO- Um dia a gente chega lá?
ATALA- Sou muito confiante. Nosso país tem um cenário único. Tanto do ponto de vista de ingredientes como de cultura, de diversidade. Nosso país é um campo a ser semeado e que vai florir muito. Em um dos meus livros falo que meu maior sonho era ver ingredientes brasileiros nas prateleiras dos supermercados. Já estou começando a ver. Meu sonho está se tornando realidade na minha frente, em meu próprio tempo de vida.

Um comentário:

  1. o reaproveitamento dos alimentos é uma necessidade e um compromisso com o ambiente.
    A adaptação da culinária às características locais é o que dá brilho ao cozinheiro, ao cheff, ao restaurante...

    ResponderExcluir