quarta-feira, 16 de maio de 2012

Resgatando a história dos costumes culinários de família.




Trabalho elaborado  apresentado no curso PROEJA – técnico em Cozinha, do Instituto Federal de Santa Catarina,disciplina História, 2012/01.

“...a comida é uma voz que comunica, assim como a fala, ela pode contar histórias.”Amon, Denise & Menasche Renata (disponível em:http://www6.ufrgs.br/pgdr/arquivos/525.pdf )

Introdução e objetivo:

Este trabalho tem como objetivo realizar uma pesquisa sobre a culinária em seu aspecto cotidiano. Partindo da realidade da casa, dos hábitos alimentares dos próprios alunos. Lembrar do passado significa lembrar da família, do local, das brincadeiras, costumes e também  dos hábitos alimentares pois este traz a marca da família, sua origem, seus costumes, seus gostos...
O trabalho foi realizado em duas etapas, sendo que a primeira foram leituras sobre a história da alimentação e a segunda a pesquisa na família e o relato para o grupo.
Decidimos portanto juntar todas as histórias e receitas e formar um pequeno livrinho que será devolvido a todos os colegas.
Uma terceira etapa ainda está para se concretizar no próximo semestre que abordará os costumes alimentares regionais.
Cada aluno contou um parte de sua história e a receita que ficou gravada em sua memória.

Costumes Culinários de Familia:Rodrigo Machado


 “Memórias da Infância”


O sabor de minha vida se confunde com o sabor de uma comida feita no fogão a lenha dos meus avos, lembranças da infância com a família toda reunida, tios primos, avós. Coisas que se foram junto com eles, apesar de nos reunirmos ainda hoje nunca mais terá o mesmo sabor.
Só podemos é fazer com que nossas vidas se pareçam com o modo de vida dos nossos avós quando nos reunimos para proporcionar essas mesmas sensações para nossos filhos e netos.
No começo dos anos 90 quando começamos a ir com mais freqüência à casa dos nossos avós maternos, RAINILDES TURNES KOERICH E TOLENTINO TURNES KOERICH,  junto com vários outros primos, tios e  tias ficávamos o domingo todo.

Quando chegávamos a primeira coisa que fazíamos, nós os primos, era ir no galinheiro e procurar os ovos da sua galinha, pois cada um de nós já havia adotado uma delas.
Logo após, corríamos para o pasto para brincar de escorregar com as folhas de palmeiras e com isso ficávamos até a hora do almoço quando nosso avô  ia nos chamar.
 La estava já a galinha no fogo já quase pronta e o macarrão sendo ainda cortado a  mão pela minha avó, que não deixava ninguém ver ela preparando a comida porque não queria revelar o segredo.
As crianças ficavam sentadas do lado de fora da casa em uma mesa improvisada com tábuas por cima de um tanque de lavar roupas.  Era uma aventura para nós esse almoço, pois ficávamos comendo e brincando com a água do tanque jogando uns nos outros. O que dava muita bronca por parte dos pais, mas mesmo com tudo isso era muito divertido e traz muita saudade.

Receita: Frango caipira de São Pedro de Alcântara

    * Para o frango:
    * 1 frango de 1,5 kg a 2,0 kg, cortado nas juntas
    * Água fervente para escaldar o frango
    * Água fria com suco de 1 limão para colocar os pedaços do  frango
    * Para o tempero:
    * 2 colheres (sopa) de alho amassado
    * 1 colher (café) de pimenta-do-reino
    * Sal a gosto
    * Para fritar:
    * 5 colheres (sopa) de óleo
    * 1 pitada de açúcar para dourar
    * 1 cebola média cortada em rodelas
    * 2 colheres (sopa) de salsa picada
    * 2 colheres (sopa) de cebolinha picada

Modo de Preparo:

    * Lave bem os pedaços de frango e escalde em água fervendo.
    * Escorra e coloque na água com o suco de limão.
    * Deixe por 20 min. Escorra bem a água.
* Tempere com o alho, o vinagre, a pimenta e o sal

Costumes Culinários de Família: Dorvalina Pereira


“Memórias da Infância”





“Esse período da minha doce infância traz boas lembranças. Lembro das brincadeiras saudáveis e das atividades simples que com a proteção da minha humilde família me faziam muito feliz.
Nasci no centro da cidade de Florianópolis na Rua Bocaiúva perto do antigo campo do Avaí. Onde morei até os meus oito anos, até o dia em que começaram as obras da Avenida Gama Deça.
A partir desse momento começaram as indenizações. Lembro que esse fato mexeu um pouco com meu lado emocional familiar, gerando algumas incertezas principalmente quando as casas estavam sendo derrubadas pelas máquinas da prefeitura.
A nossa casa e a dos vizinhos daquela região não foram bem indenizadas, mas a vida seguiu em frente e depois desses acontecimentos fomos morar no Continente, distrito do Estreito na rua Fúlvio Aducci.
Foi nessa época que meu pai abriu um bar e restaurante. Minha mãe por ser uma grande chefe de cozinha atuou no referido estabelecimento inserindo no cardápio variados tipos de pratos, mas o que ela gostava mesmo era de cozinhar para a família em quase todos os finais de semana oferecendo um cardápio bastante variado. Um dos  pratos bem elaborados era a carne assada de panela de barro recheada com toicinho e lingüiça frescal Blumenau, tendo como acompanhamento arroz, salada de vagem com cebola, ovos e maionese com salsicha em lata que dava um gosto muito especial quando servida com farofa feita de miúdos de galinha. Outro prato bem elaborado que minha mãe cozinhava com muito prazer para degustarmos era o macarrão acompanhado de um excelente molho de carne escura. E a sobremesa então não deixava por menos de tão saborosa.
Ela me ensinou a elaborar uma sobremesa com gelatina servida com creme de leite e leite condensado Moça e também uma bela caçarola italiana.
Na refeição vespertina (café da tarde) era feito um café colonial com o café, o chocolate quente e o chá acompanhado com cucas, bolos, pastéis, sonhos, bananas recheadas, pão caseiro, pão de trigo, batata doce cozida, aipim cozido, amendoim torrado e milho cozido.
Os produtos eram muito variados gerando uma boa mistura na elaboração dos pratos.
Misturava-se a coalhada, ricota, salame, manteiga, chimia, doce de leite caseiro, patê caseiro, queijo e mortadela e ovos fritos.
E para finalizar depois de todas essas degustações, minha mãe, servia uma maravilhosa sopa/canja e uma delas era muito boa e era feita de mandioca servida com torradinhas. Era um verdadeiro deleite e tudo feito com muito carinho o que nos permitiu grandes momentos de alegria, prazer e motivação para um ótimo convívio familiar.
Assim sendo, encerro aqui o breve relatório dos relatos e costumes da nossa família, que ficarão para sempre marcados em nossa memória agradecendo sempre em primeiro lugar ao meu mestre Jesus por ter me abençoado permitindo que fizesse parte dessa família que foi responsável por todo o meu processo de aprendizado e trajetória de vida

Receita: carne assada em panela de barro (10 pessoas)

2 Kg de carne (colchão de dentro)
300 gr. de lingüiça de Blumenau
200 gr. de toicinho
1 cebola
1 tomate
½ pimentão verde
1 colher de extrato de tomate
5 batatas médias inteiras
sal a gosto
4 dentes de alho
vinagre para temperar

Modo de preparo

Tempere a carne com alho, sal e vinagre, reserve por 1 hora
Cortar a carne para rechear com lingüiça cortada no comprimento e os 200 gr. de toicinho
Costurar a carne e reservar
Na panela de barro coloque ½ colher de café de açúcar e ½ colher de sopa de óleo , deixe queimar o açúcar no óleo, coloque a carne para dourar, sempre virando e acrescentando gotas de água até ficar tenra e com molho escuro
Descasque as batatas e coloque para cozinhar no molho de carne,  quando estiver quase pronta acrescente os temperos bem picados para cozinhar junto.
Estará pronto quando a consistência do molho for cremosa
Para servir, corte a carne em fatias e decore com batatas, para complemento arroz branco e farofa.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Entrevista realizada pelos alunos do Curso Técnico em Cozinha, dia 02/04/2012, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com o responsável técnico pelo atendimento noturno do Restaurante Universitário (RU), Sr. Bruno e Sra. Manu
Alunos - Há pessoas que necessitam de um cardápio especial, por exemplo, os celíacos (que não podem ingerir glúten) e os vegetarianos. Há alguma preocupação especial para atender este público sem prejudicar os demais consumidores?
Bruno - O setor de nutrição avisa quais preparações que tem glúten e nós (o salão) perguntamos a eles quando temos dúvidas. Os clientes alérgicos nos informam da restrição e, quando é possível, oferecemos pratos específicos com produtos de reaproveitamento. Em relação à comida vegetariana: todos os dias há variedade de saladas no buffet, além do vinagrete e de vegetais cozidos ou ensopados. A proteína de Soja está sendo inserida no cardápio aos poucos. Estamos testando novas receitas, recentemente começamos a oferecer o estrogonofe de soja. Há um processo educativo envolvendo o restaurante, pois se trata de uma universidade. A gente educa as pessoas pela alimentação. Educamos o paladar dos frequentadores para comerem com menos sal, por exemplo.
Alunos – Há demanda por produtos orgânicos?
Bruno - Trabalhamos com produtos orgânicos, há licitação de alimentos orgânicos. No entanto, é difícil conseguir meia tonelada de frango orgânico para consumir em um único dia, por isso não há oferta de produtos orgânicos diariamente. A maioria das saladas são orgânicas, mas o rendimento dos produtos orgânicos não consegue atender a nossa demanda.
Alunos - Existe um espaço no site para sugestões dos alunos? Isso auxilia na elaboração do cardápio?
Bruno - Certamente. Quando há reclamações somos chamados na diretoria, analisamos a reclamação e a partir disto verificamos as possíveis medidas a serem adotadas. Há sugestões, mas nem sempre temos condições de aplicá-las.
Alunos - O peixe é oferecido com frequência no cardápio?
Bruno – Tem peixe, porém não é servido toda semana. Temos peixe empanado, posta de peixe, até camarão... Nesta semana temos peixe duas vezes: sexta feira santa e domingo. Mas não é tão frequente quanto a carne. No ano passado, servimos camarão umas 10 vezes... quase uma vez por mês. O valor pago pela refeição é R$ 1,50. A comida é de “primeiríssima” qualidade, a carne é sempre de primeira, mas o preço do peixe e do camarão impede uma oferta mais frequente.
Alunos – O que o Restaurante Universitário representa para a comunidade universitária?
Bruno – Se não fosse o RU, muitas pessoas ficariam ser ter onde comer, por necessidades financeiras... Alguns estudam em cursos integrais e não têm tempo para trabalhar. Há aproximadamente 2000 alunos com bolsa de alimentação, que são isentos. Eles almoçam e jantam gratuitamente, há estudos de implantação do café da manhã. Para estes alunos, sem o RU seria impossível frequentar a universidade.
Alunos - É possível realizar estágio no Restaurante Universitário? Quais os procedimentos para isto?
Bruno – Posso falar pela nossa empresa, trabalhamos com estagiários de nutrição, atualmente temos 5 pessoas, mas não temos estagiários de cozinha, pois nossa demanda de trabalho não permite que haja “giro” de pessoas na cozinha. Pelo que sei, atualmente não há um programa para receber estagiários de cozinha no RU. Mas podemos conversar com a direção para ver isso.
Alunos - Quanto à satisfação dos clientes sobre a qualidade da comida, ela tem atingido suas expectativas?
Bruno – Na verdade nós não temos clientes... mas no geral as pessoas gostam da comida. Acreditamos que o restaurante é uma extensão da casa das pessoas que vêm aqui. Reclamam um pouco da quantidade de sal, acham pouco, mas gostam. Não são disponibilizados temperos, oferecemos um vinagrete, mas quem quiser pode trazer o seu. É uma preocupação educacional. Outro ponto, é que não há copos descartáveis, cada aluno recebe uma caneca quando faz sua carteirinha e se não trouxer não pode beber ou consumir nada líquido. Acreditamos que a comida hoje tem mais qualidade que em outras épocas, vemos uma grande aceitação, até o número de consumidores tem aumentado. Em menos de um ano tivemos que dobrar o número de funcionários
Alunos - Vocês tem um mapeamento sobre o nível de formação profissional dos funcionários da cozinha?
Bruno – Não exigimos escolaridade dos profissionais que trabalham conosco. Oferecemos treinamento mas não exigimos qualificação na área. Gostaríamos de trabalhar com profissionais já qualificados, mas o salário que podemos pagar não é muito alto e o trabalho é duro. Mesmo assim, consideramos que nosso restaurante é um bom lugar para trabalhar. O funcionário tem dois meses de férias, que coincidem com a alta temporada em Florianópolis, além de 15 dias em julho.

Atividade realizada em visita do Restaurante Universitário da UFSC - Abril/2012

CHECK LIST PARA ANÁLISE DA COZINHA DO RESTAURANTE UNIVERSITÁRIO DA UFSC
PERGUNTA
Sim
Não
OCORRÊNCIA
ESTRUTURA FÍSICA
O forro é adequado?
X


Quantas latas de lixo há na cozinha?


Não há latas de lixo dentro da cozinha. Há 36 recipientes em local apropriado de acordo com as normas de higiene e segurança.
Onde estão colocadas as latas de lixo?


Na parte externa da cozinha, pois o restaurante não encontrava-se em atividade.
Há latas de lixo que privilegiam a coleta seletiva?
X


Se sim, quais tipos?


Orgânicos e reciclados.
Há coifas?
X


Qual a condição das coifas?



Boas condições, porém a higiene desse equipamento poderia estar em melhor estado.
As coifas estão sobre quais equipamentos?


Panelas de alto clave, fornos combinados e chapas.
Como é o piso da cozinha?


Antiaderente. Parecia ser um contrapiso pintado com alguma tinta especial, tipo emborrachada.
Qual a condição do piso?


Era novo e aparentemente irregular. Estava muito limpo.
O tamanho da cozinha parece ser adequado à quantidade de equipamentos?
X


Há telas nas janelas? Qual estado?
X

Boas e novas.
Há indicação de saída de emergência?
X


EQUIPAMENTOS
Os fogões são adequados para o espaço?


Não há fogões, as cocções são realizadas em gigantescas panelas de alto clave.
Há geladeiras dentro da cozinha? Quantas?

X
Há diversas câmaras frias, anexas às cozinhas.
Em que estado estão as geladeiras?


As câmaras frias estavam em ótimo estado, bem novas.
Há fornos? Quais os tipos?
X

Forno Combinado
Qual o estado aparente dos fornos?


Novos, em excelente condições de uso.
Há fritadeira?

X

Qual o estado aparente das fritadeiras?



UTENSÍLIOS
Os utensílios estão amostra?
X


Onde estão localizados?


No setor de higienização
Quais utensílios você pôde perceber?


Facas, fouets e GNs
TRABALHADORES
Os funcionários estão de uniforme?
X


Qual a aparência desse uniforme? (sujo, estragado, em boas condições)


Em boas condições

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Visita ao Restaurante Universitário da UFSC

No dia 02 de abril (2012) os estudantes conheceram as novas instalações do Restaurante Universitário (RU) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Na oportunidade, fomos ciceroneados pela dupla dinâmica Bruno e Manu, aos quais agradecemos muito as explicações, a simpatia e a disponibilidade.
Abaixo algumas fotos do encontro.










segunda-feira, 16 de abril de 2012

trechos da entrevista do cheff alex atala à Revista GOSTO

Trechos da Entrevista do Cheff Alex Atala à Revista GOSTO
Por Cláudio Fragata
Acessado em 01/03/2012 in www.revistagosto.com.br

GOSTO - Em 2010, o D.O.M. galgou a 18ª colocação na lista San Pellegrino World's 50 Best Restaurants. Acha que chegará ao primeiro lugar algum dia?
ATALA- Acredito que não. O 18º lugar foi o máximo que a gente conseguiu e é muito. Esse posto para o Brasil é alto. Qual o critério da lista? Ela privilegia experiências únicas. Desse ponto de vista, o D.O.M. foi vitorioso porque é único e não tenho vergonha de afirmar isso. O Brasil possui outros ótimos restaurantes que poderiam estar na lista. Tenho certeza de que nossos italianos e japoneses revelam calibre para brigar com gente grande. E por que não estão lá? Porque existem restaurantes muito bons em todo o mundo nesses segmentos, a concorrência é muito maior. A lista não é um guia, não destaca os melhores, destaca os únicos. Emendo uma boa razão para achar que dificilmente passaremos do 18º lugar. Hoje ficou bem mais fácil viajar e as pessoas vão atrás de experiências gastronômicas únicas. Se eu for ao Japão, não é para comer pizza, se eu for à Itália, não é para comer cassoulet. Acontece que o Brasil não está na rota dos gourmets do mundo. Por isso entendo que o 18º posto foi zebra. É bom demais, mas é melhor não contar com isso todo dia... Zebras não acontecem todo ano.
GOSTO- Quem é mais conhecido no exterior, a culinária brasileira ou Alex Atala?
ATALA- Alex Atala, infelizmente. Essa é minha virtude e meu castigo. Não se constrói um time com apenas um craque. Fiz bastante, mas não o suficiente. O bom seria abrir caminho e promover outras pessoas. O D.O.M. completou 11 anos. Quando me lembro do dia em que parei em frente ao local onde ele funciona e pensei em abrir meu restaurante, nunca imaginei que estaria agora falando de cinco anos de premiação internacional e que várias revistas me apontariam como um dos chefs mais importantes do mundo. Nunca imaginei isso! Mas vou dar um exemplo que demonstra como são as coisas: em apenas 15 anos, a nouvelle cousine ganhou uma efervescência mundial, murchou e virou démodé. Eu corro exatamente o mesmo risco. A única maneira de não me transformar em uma moda passageira é a culinária brasileira demonstrar sua riqueza lato e stricto sensu, na diversidade de chefs e nos tipos de cozinha que podemos ter, nos ingredientes e nas variações de trabalho sobre eles. Desconhecemos parte da nossa cozinha. O brasileiro é capaz de saber que o crepe bretão é feito de trigo sarraceno e não sabe quais são as diferenças de nossas farinhas. Comer o chibé que a Mara Sales faz é completamente diferente de pegar uma farinha de mercado e jogar água dentro. A farinha que ela usa é fermentada e dá um sabor único ao prato. Conhecemos pão do mundo inteiro e desconhecemos a nossa mandioca. Temos pouquíssimos estudos sobre ela.
GOSTO- Qual sua maior contribuição à gastronomia brasileira?
ATALA- Mostrar que ela é possível. Se eu fiz alguma coisa de bom foi isso. Nunca farei cozinha francesa tão bem quanto um francês, nem sushi tão bem quanto um japonês, nem macarrão tão bem quanto um italiano. Ninguém pode fazer cozinha brasileira melhor do que um brasileiro. Acho que isso era uma coisa que estava escrita.
GOSTO - O que falta para nossa cozinha se tornar internacional?
ATALA- É uma questão de tempo. A Califórnia conseguiu imprimir sua personalidade no califórnia roll, um sushi diferente, derivado do japonês. Se ele existe, podemos fazer o mesmo. É possível que o nosso sushi pantanal (pepino com salmão batido e cream cheese) e outras variações brasileiras da receita ganhem a mesma dimensão algum dia. Acho que o Jun Sakamoto, o Tsuyoshi Murakami, o Shin Koike, o Riyoiti Yamashita, todos esses caras vão acabar conseguindo isso porque o que temos hoje em matéria de sushi é parrudo, é peso pesado. Nossos mercados de peixe precisam ser aprimorados no sentido de cuidarem melhor do produto, mas feito isso tenho absoluta certeza de que esses jovens e talentosos sushimen que estão por aí terão palco para trabalhar. Acho também que as escolas de cozinha italiana e francesa vão gerar muitos frutos. 
GOSTO- Algumas pessoas dizem que sua gastronomia é uma reinvenção da culinária franco-brasileira. Concorda com isso? 
ATALA- Concordo em parte. O que fiz foi cozinha brasileira com técnicas francesa e europeia de maneira geral. Pratico uma cozinha muito libertina do ponto de vista étnico, mas profundamente enraizada quando se trata de sabor. O que eu entrego no final só pode acontecer no Brasil.
GOSTO - Qual é o carro-chefe do D.O.M. hoje?
ATALA - São os menus-degustação. Meu grande sonho seria trabalhar só com eles. É o sonho maior de todo chef. Hoje, orgulhosamente posso falar que 70% de meus clientes pedem menu-degustação. Isso é um grande desafio. Uma revista me criticou dizendo que no D.O.M. tudo era automático porque a maioria dos clientes pedia menu-degustação. Será que as pessoas sabem o grau de complexidade que é servir 11 pratos sem errar a apresentação, o vinho e a troca de talheres? Tudo precisa ser minuciosamente ensaiado como uma peça de teatro. O D.O.M. não tem a maioria dos clientes comendo menu-degustação porque Deus quis... 
GOSTO- Quais as diferenças entre o D.O.M. e o Dalva e Dito?
ATALA- O Dalva e Dito é uma licença poética aliada a uma vontade de ganhar mais dinheiro. Primeiro porque não acho feio ganhar mais. Quando abri o D.O.M., a casa tinha 90 lugares, hoje possui 50 e pretendo diminuir. O tipo de qualidade que proponho servir não é convergente com escala. Ela é artesanal. Quanto melhor fica meu restaurante, pior fica o meu negócio. Por isso um dos motivos de fazer o Dalva e Dito. As pessoas têm uma difícil compreensão do que é um restaurante. Não se trata de um ateliê de arte, é um negócio. Emprego 70 pessoas e tenho de pagá-las. E eu, como todo mundo, trabalho para ganhar dinheiro. Não sou o único. As pessoas querem que o chef tenha um negócio pequeno. É complicado gerir essa equação. Mas, poxa, não tenho patrão pra pedir aumento! A segunda coisa que me fez abrir outro restaurante foi a ideia de valorizar a cozinha afetiva. Na verdade, essa foi a primeira semente que motivou o Dalva e Dito, a escolha do nome e de todo o conceito da casa. Eu aprendi a comer risotto ainda criança. O risotto que minha mãe me servia era o arroz de forno, com restinho de tudo. Pergunto uma coisa: por que um restaurante não pode servir isso, mas pode servir pilaf? Não é aproveitamento? É feio fazer isso? Nossa mãe cozinha mal? De forma nenhuma. As culinárias francesa, italiana, espanhola deixaram essa lição. Grandes receitas são maternais, heranças que a gente recebe. Vejo o Brasil muito bem representado em suas cozinhas regionais, mas ainda mal representado nas afetivas. Então, o Dalva e Dito nasceu desse sonho. 
GOSTO- Desde o início já se preocupava com ingredientes brasileiros? 
ATALA- Essa preocupação sempre existiu. Se cada ingrediente tivesse uma cor, o Brasil teria a maior paleta de cores do mundo. Há dois momentos difíceis para um cozinheiro: um quando não tem nada para cozinhar e outro quando tem muito e vem aquela desagradável sensação de que vai perder tudo aquilo. É o que eu vivo no meu dia a dia. Há muita coisa para se trabalhar! A Embrapa fala de mais de 250 tipos de mandioca. Tenho um leque imenso de coisas da Amazônia, assim como do Cerrado. Uma vida inteira dedicada à cozinha brasileira ainda é pouco.
GOSTO- A região Sul não desperta sua curiosidade?
ATALA- O Sul do Brasil não tem a diversidade do Cerrado e está longe de ter a da Amazônia. Mas é o lugar onde as colônias deixaram as marcas mais profundas no cotidiano das pessoas. Tem uma inteligência naquela cozinha ali pela qual ando muito fascinado. Se gastronomia é a arte de levar uma receita ao seu melhor momento, a expertise que temos hoje do churrasco é gastronomia. Em qualquer lugar do mundo onde se for a um espeto corrido ou rodízio, o formato da picanha é igual, o processo de servir é o mesmo, o jeito que os caras seguram o espeto e a faca é igual. A gestualidade nesse caso foi tão bem pensada quanto a de se fazer um nigiri sushi ou a dos procedimentos de se abrir uma lagosta. A culinária do Sul do Brasil me fascina pela simplicidade e também pela precisão na execução. 
GOSTO- Ser garoto-propaganda do Caldo Knorr foi bom ou mau? 
ATALA- Foi muito bom porque eu ganhei um dinheiro que em anos de restaurante não ganharia. Para quem não sabe, não gozo de uma situação financeira polpuda. Montei o Dalva e Dito e quase fali. Graças a Deus, consegui virar a própria mesa e hoje a coisa caminha bem! O D.O.M. está bonitão, não está? Boa parte da reforma saiu do Caldo Knorr (risos). 
GOSTO -Como surgem as ideias dos seus novos pratos?
ATALA- Chef de cozinha é uma condição do profissional cozinheiro. Tem gente que fala que é chef, mas trabalha em casa. Então o cara não é chef, é cozinheiro e digo logo que isso é bonito. Eu sou um chef de cozinha porque tenho uma responsabilidade. Um chef não precisa apenas cozinhar bem. Ele também tem de extrair bons resultados de uma equipe e isso é outra mecânica. O fato de ser reputado como um dos chefs mais importantes do mundo me faz viajar. Tenho menos tempo para ficar na minha cozinha. Entretanto, não significa que minha função está descoberta. O Giovani, meu subchefe, cuida de tudo muito bem, continua fazendo o D.O.M. subir nos rankings, mantém os clientes satisfeitos. Sou menos chef do que já fui, mas jamais deixarei de ser cozinheiro. É muito mais fácil para mim ser criativo quando estou na cozinha porque ali posso experimentar. O insight acontece lá dentro. A criação vem junto com a execução. Nesses últimos anos, viajei muito e ficou mais difícil criar um prato novo. É no exercício de minha cozinha que sou mais profundamente criativo. De cara pro fogão. Ali 19 não é 20. 
GOSTO- A geração atual já perdeu a vergonha de fazer comida brasileira?
ATALA- Acho que sim, como perdeu a vergonha de usar uniforme, né? Lembro-me de que, nos anos 90, no Filomena, os meninos vinham estagiar comigo meio tímidos, querendo aprender a cozinhar, mas na hora de sair para balada, arrancavam a roupa de trabalho. Hoje quantos cozinheiros a gente vê pela rua! A profissão ganhou, o mercado ganhou, São Paulo ganhou. 
GOSTO - Por que os chefs têm hoje status de celebridade?
ATALA- Donos de restaurantes sempre foram celebrizados. Giancarlo Bolla é um exemplo disso. O chef, sim, ganhou protagonismo agora. Há um lado ruim nisso, mas há outro bom: a profissão ganhou notoriedade. No meu caso, não entrei na cozinha para ser famoso, mas não achei ruim ficar famoso. E, já que a fama veio, se aparecer a oportunidade de fazer dez Caldos Knorr, farei... (risos).
GOSTO- O sucesso da moderna cozinha nacional melhorou a autoestima dos brasileiros?
ATALA- Já há eventos montados exclusivamente para a cozinha brasileira. Isso é sensacional. O chef muitas vezes é apenas mais um: o produtor ganha evidência, a dona de casa ou a índia velha ganha evidência e aí a gente vê quanta cultura há por trás dessa rede. Eu entendo que um chef ganhe louros por fazer boa comida, mas o agricultor não pode ser esquecido. A gente não opera milagres. Não fazemos comida boa com coisa ruim. Essa cadeia precisa ser melhor entendida. Na França e em diversos lugares do mundo o cara põe no cardápio a procedência de seus produtos, tipo "aspargos de tal fazenda". Precisamos fazer o mesmo. Uma moça me mandou uma carta com uma caixinha de alho preto e hoje ela virou uma empresa. 
GOSTO- Um dia a gente chega lá?
ATALA- Sou muito confiante. Nosso país tem um cenário único. Tanto do ponto de vista de ingredientes como de cultura, de diversidade. Nosso país é um campo a ser semeado e que vai florir muito. Em um dos meus livros falo que meu maior sonho era ver ingredientes brasileiros nas prateleiras dos supermercados. Já estou começando a ver. Meu sonho está se tornando realidade na minha frente, em meu próprio tempo de vida.