segunda-feira, 16 de abril de 2012

Trechos da Entrevista do Cheff Alex Atala à revista ÉPOCA

Trechos da Entrevista do Cheff Alex Atala à revista ÉPOCA
Acessado em 02/03/2012 – www.revistaepoca.globo.com/época

(Tania Nogueira) Revista ÉPOCA - Seu arroz com feijão é bom?
Atala - É bom, mas o dia em que eu tiver o Brasil inteiro falando: ''Esse cara faz arroz com feijão melhor do que ninguém'', aí eu vou realmente acreditar que sou o melhor chef do Brasil.
ÉPOCA - Mas não é isso que marca a sua cozinha.
Atala - Não, mas é uma crença, um conceito da minha cozinha. É mais simples induzir as pessoas a dizer: ''Fui a um restaurante e comi um foie gras (patê de fígado de ganso gordo) com mandioquinha que estava ótimo''. Quantas vezes meus clientes comeram foie gras na vida para dizer que aquele era excepcional? Agora, tenho certeza de que todo cliente tem um repertório de vida comendo arroz com feijão. Ele vai falar assim: ''No mínimo, arroz e feijão esse cara faz direito''. Como ele pode avaliar pratos extremamente criativos? Será que ele não está sendo induzido porque alguém me deu prêmios ou porque alguém falou bem? No caso de uma cozinha como a minha, moderna, que junta mundos completamente diferentes e distantes, faz combinações ousadas, fica muito fácil a pessoa ser induzida. O que eu botar na frente dela, ela vai dizer que é bom.
que iria arrumar ingredientes? Tinha de assimilar o hábito cultural brasileiro. Hoje, uma coisa que me estarrece é que, em São Paulo, é mais fácil fazer cozinha francesa, italiana, árabe, japonesa do que a própria cozinha brasileira. Você não encontra restaurantes de comida do Amazonas, de Mato Grosso, do Piauí. ÉPOCA - Qual o segredo de seu feijão? 
Atala - Eu faço um feijão como minha mãe faz.
ÉPOCA - Sua mãe é brasileira? 
Atala -  Minha mãe descende de ingleses e irlandeses, mas nasceu no Brasil.
ÉPOCA - E faz feijão? 
Atala - Faz. Mesmo que ela quisesse fazer comida inglesa, onde é
ÉPOCA - O feijão com arroz que as pessoas comuns cozinham em São Paulo não é gastronomia tipicamente brasileira?
Atala - É a dieta básica brasileira. Em 80% do território nacional as pessoas comem arroz e feijão com mistura. Só isso já mostra qual o conceito da nossa alimentação cotidiana. Eu falo 80% porque em parte da região amazônica não se come arroz com feijão. O ribeirinho, o caboclo e o índio usam pouco o feijão. Mas o Brasil é imenso. Tem muitas outras cozinhas. É na verdade do Câmara Cascudo o único livro que a gente tem sobre alimentação no Brasil (História da Alimentação no Brasil, escrito no fim da década de 60). Pelo tamanho da mudança de lá para cá, me parece incrível que ninguém mais tenha feito um registro histórico depois disso.
ÉPOCA - Por quê? 
Atala - Hoje existem fenômenos culturais de alimentação incríveis. Em São Paulo e no Rio, por exemplo, você vai a uma churrascaria rodízio e encontra sushi. Rodízio é uma invenção brasileira e, junto com aquilo, você tem sushi, aspargos brancos, massa, tabule, tantas culturas representadas numa mesma mesa. Isso efetivamente é Brasil. Esse hábito alimentar ninguém descreveu ainda. E a gente está falando do mundo da alimentação popular. É uma expressão de cultura à qual a gente ainda não prestou atenção.
ÉPOCA - Como é elevar ingredientes da culinária regional à categoria de alta cozinha?
Atala - O chef é um cozinheiro. O que é ser um chef de um restaurante gastronômico? É só isso. Um garoto que começa na profissão hoje tende a olhar o chef, se espelhar nele. Às vezes até desdenha de uma baiana fazendo acarajé. Mas ambos são profissionais de cozinha que merecem valor igual. O chef bebe na fonte da intelectualidade e da cultura sofisticada, mas também da comida simples. Por que um sushiman é tão reverenciado no Japão? Aquele mestre é o cara que faz o que todo mundo faz, só que melhor do que os outros. Por que os chefs na França foram tão aclamados? Porque eles faziam cozinha francesa, coisas que os franceses comiam desde a infância, e tinha um cara que fazia com maestria. Você vai a uma praia em Salvador e encontra dez barraquinhas de peixe. Uma faz melhor. Aquele cara tem o trabalho de selecionar o melhor peixe. Além disso, ele compreendeu o processo. Então, ele põe o óleo na temperatura certa. Empiricamente, ele faz um processo corretíssimo e consegue, daquele ingrediente simples e de um método de cozimento rústico, um resultado excepcional. Então, é gastronomia! Dentro do patamar dele, ele está executando um trabalho de excelência.
ÉPOCA - Você acha que isso pode ser considerado gastronomia? 
Atala - Ele merece respeito. Acho que são primórdios da gastronomia. O profissional que faz o que o popular come com maestria está executando esboços de gastronomia, sim. Eu vejo a garotada nova hoje muito preocupada com princípios de química e física, com o que os chefs espanhóis estão usando, com a tradição da cozinha francesa ou da italiana, preocupada com coisas do outro lado do mar e esquecendo de coisas nossas. A França chegou aonde chegou por orgulho de sua cozinha. A Espanha também. A Itália é admirada por orgulho da cozinha familiar. Afinal, o berço da cozinha dela é caseiro. Não é profissional. Então, me parece que esses meninos não têm de sonhar em ser só chefs. Eles têm de sonhar em ser cozinheiros, como os que fazem arroz com feijão. 
ÉPOCA - A idéia do senhor é fazer algo semelhante à obra de Câmara Cascudo?
Atala - Puxa! Se eu conseguisse fazer isso, seria o grande sonho da minha vida. Adoraria ter a capacidade. Não acredito que eu tenha. O livro de Câmara Cascudo é um registro da alimentação brasileira com um cunho muito mais sociológico e antropológico do que culinário.
ÉPOCA - O que determina a assimilação de uma cozinha? O tempo de convivência?
Atala - Os árabes ou os japoneses não chegaram ao Brasil antes de à Europa. E, lá, não conseguiram imprimir o registro da cultura deles como aqui. Talvez o Brasil por ser muito mais miscigenado crie uma abertura à novidade gastronômica grande. O brasileiro é muito menos tradicionalista na hora de comer do que um francês ou um italiano. Um italiano vai a um restaurante comer comida italiana. Ele acha que o restaurante é bom se fizer melhor do que a mãe dele faz. O francês, também. O brasileiro, não, ele vai descobrir. Em São Paulo, a pergunta mais recorrente é: ''O que nós vamos comer hoje à noite?''. Existe um leque enorme, a gente tem dúvida.
ÉPOCA - Com isso, não se perdeu um pouco a comida regional?
Atala - A tradicional, não. A feijoada continua. O arroz com feijão continua. As regionais ficam um pouco oprimidas, sim. Mas as responsáveis por isso não são só as culturas estrangeiras. É a industrialização das comidas, a falta de orgulho. Você vai a uma fazenda simples, o dono quer  oferecer o que tem de melhor. Se vai fazer um franguinho com quiabo, não pega o que tem no quintal porque acha muito magrinho. Prefere pegar um frango congelado, que parece mais bonito. É como se a gente imaginasse que o popular é negativo, que há algo de errado em comer dobradinha, que é um prato que não pode estar num grande restaurante. 
EPOCA - Os ingredientes que você usa estão presentes em pratos da cozinha regional?
Atala - Sem dúvida. Eu uso filhote (um peixe amazônico), tucupi, melaço de cana, alguns tipos de farinha, tapioca, quiabo, jiló, chuchu, mandioquinha, mandioca, batata-doce, uma infinidade de ingredientes brasileiros que ainda são cotidianos, que muitas vezes têm aquele ar de popularescos.
ÉPOCA - Qual a diferença entre as pessoas que cozinham bem por hobby em casa e os chefs?
Atala - Essas pessoas são amadoras no melhor sentido da palavra. São amantes da gastronomia que a exercem por amor e recompensa. O chef é um artesão. Na gastronomia, busca-se a exponencialização do sabor. Quando eu vou comprar um peixe, por exemplo, não quero saber quantas porções me dá. Eu quero o melhor do peixe. A gente chega ao exagero de dizer: ''Eu não me importo de comprar o peixe mais caro, mas eu quero o que valha ser o mais caro''. O grau de exigência de um chef em relação ao produto que compra é alto. Muitas vezes ele faz renúncias financeiras em favor da qualidade.

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