segunda-feira, 16 de abril de 2012

trechos da entrevista do cheff alex atala à Revista GOSTO

Trechos da Entrevista do Cheff Alex Atala à Revista GOSTO
Por Cláudio Fragata
Acessado em 01/03/2012 in www.revistagosto.com.br

GOSTO - Em 2010, o D.O.M. galgou a 18ª colocação na lista San Pellegrino World's 50 Best Restaurants. Acha que chegará ao primeiro lugar algum dia?
ATALA- Acredito que não. O 18º lugar foi o máximo que a gente conseguiu e é muito. Esse posto para o Brasil é alto. Qual o critério da lista? Ela privilegia experiências únicas. Desse ponto de vista, o D.O.M. foi vitorioso porque é único e não tenho vergonha de afirmar isso. O Brasil possui outros ótimos restaurantes que poderiam estar na lista. Tenho certeza de que nossos italianos e japoneses revelam calibre para brigar com gente grande. E por que não estão lá? Porque existem restaurantes muito bons em todo o mundo nesses segmentos, a concorrência é muito maior. A lista não é um guia, não destaca os melhores, destaca os únicos. Emendo uma boa razão para achar que dificilmente passaremos do 18º lugar. Hoje ficou bem mais fácil viajar e as pessoas vão atrás de experiências gastronômicas únicas. Se eu for ao Japão, não é para comer pizza, se eu for à Itália, não é para comer cassoulet. Acontece que o Brasil não está na rota dos gourmets do mundo. Por isso entendo que o 18º posto foi zebra. É bom demais, mas é melhor não contar com isso todo dia... Zebras não acontecem todo ano.
GOSTO- Quem é mais conhecido no exterior, a culinária brasileira ou Alex Atala?
ATALA- Alex Atala, infelizmente. Essa é minha virtude e meu castigo. Não se constrói um time com apenas um craque. Fiz bastante, mas não o suficiente. O bom seria abrir caminho e promover outras pessoas. O D.O.M. completou 11 anos. Quando me lembro do dia em que parei em frente ao local onde ele funciona e pensei em abrir meu restaurante, nunca imaginei que estaria agora falando de cinco anos de premiação internacional e que várias revistas me apontariam como um dos chefs mais importantes do mundo. Nunca imaginei isso! Mas vou dar um exemplo que demonstra como são as coisas: em apenas 15 anos, a nouvelle cousine ganhou uma efervescência mundial, murchou e virou démodé. Eu corro exatamente o mesmo risco. A única maneira de não me transformar em uma moda passageira é a culinária brasileira demonstrar sua riqueza lato e stricto sensu, na diversidade de chefs e nos tipos de cozinha que podemos ter, nos ingredientes e nas variações de trabalho sobre eles. Desconhecemos parte da nossa cozinha. O brasileiro é capaz de saber que o crepe bretão é feito de trigo sarraceno e não sabe quais são as diferenças de nossas farinhas. Comer o chibé que a Mara Sales faz é completamente diferente de pegar uma farinha de mercado e jogar água dentro. A farinha que ela usa é fermentada e dá um sabor único ao prato. Conhecemos pão do mundo inteiro e desconhecemos a nossa mandioca. Temos pouquíssimos estudos sobre ela.
GOSTO- Qual sua maior contribuição à gastronomia brasileira?
ATALA- Mostrar que ela é possível. Se eu fiz alguma coisa de bom foi isso. Nunca farei cozinha francesa tão bem quanto um francês, nem sushi tão bem quanto um japonês, nem macarrão tão bem quanto um italiano. Ninguém pode fazer cozinha brasileira melhor do que um brasileiro. Acho que isso era uma coisa que estava escrita.
GOSTO - O que falta para nossa cozinha se tornar internacional?
ATALA- É uma questão de tempo. A Califórnia conseguiu imprimir sua personalidade no califórnia roll, um sushi diferente, derivado do japonês. Se ele existe, podemos fazer o mesmo. É possível que o nosso sushi pantanal (pepino com salmão batido e cream cheese) e outras variações brasileiras da receita ganhem a mesma dimensão algum dia. Acho que o Jun Sakamoto, o Tsuyoshi Murakami, o Shin Koike, o Riyoiti Yamashita, todos esses caras vão acabar conseguindo isso porque o que temos hoje em matéria de sushi é parrudo, é peso pesado. Nossos mercados de peixe precisam ser aprimorados no sentido de cuidarem melhor do produto, mas feito isso tenho absoluta certeza de que esses jovens e talentosos sushimen que estão por aí terão palco para trabalhar. Acho também que as escolas de cozinha italiana e francesa vão gerar muitos frutos. 
GOSTO- Algumas pessoas dizem que sua gastronomia é uma reinvenção da culinária franco-brasileira. Concorda com isso? 
ATALA- Concordo em parte. O que fiz foi cozinha brasileira com técnicas francesa e europeia de maneira geral. Pratico uma cozinha muito libertina do ponto de vista étnico, mas profundamente enraizada quando se trata de sabor. O que eu entrego no final só pode acontecer no Brasil.
GOSTO - Qual é o carro-chefe do D.O.M. hoje?
ATALA - São os menus-degustação. Meu grande sonho seria trabalhar só com eles. É o sonho maior de todo chef. Hoje, orgulhosamente posso falar que 70% de meus clientes pedem menu-degustação. Isso é um grande desafio. Uma revista me criticou dizendo que no D.O.M. tudo era automático porque a maioria dos clientes pedia menu-degustação. Será que as pessoas sabem o grau de complexidade que é servir 11 pratos sem errar a apresentação, o vinho e a troca de talheres? Tudo precisa ser minuciosamente ensaiado como uma peça de teatro. O D.O.M. não tem a maioria dos clientes comendo menu-degustação porque Deus quis... 
GOSTO- Quais as diferenças entre o D.O.M. e o Dalva e Dito?
ATALA- O Dalva e Dito é uma licença poética aliada a uma vontade de ganhar mais dinheiro. Primeiro porque não acho feio ganhar mais. Quando abri o D.O.M., a casa tinha 90 lugares, hoje possui 50 e pretendo diminuir. O tipo de qualidade que proponho servir não é convergente com escala. Ela é artesanal. Quanto melhor fica meu restaurante, pior fica o meu negócio. Por isso um dos motivos de fazer o Dalva e Dito. As pessoas têm uma difícil compreensão do que é um restaurante. Não se trata de um ateliê de arte, é um negócio. Emprego 70 pessoas e tenho de pagá-las. E eu, como todo mundo, trabalho para ganhar dinheiro. Não sou o único. As pessoas querem que o chef tenha um negócio pequeno. É complicado gerir essa equação. Mas, poxa, não tenho patrão pra pedir aumento! A segunda coisa que me fez abrir outro restaurante foi a ideia de valorizar a cozinha afetiva. Na verdade, essa foi a primeira semente que motivou o Dalva e Dito, a escolha do nome e de todo o conceito da casa. Eu aprendi a comer risotto ainda criança. O risotto que minha mãe me servia era o arroz de forno, com restinho de tudo. Pergunto uma coisa: por que um restaurante não pode servir isso, mas pode servir pilaf? Não é aproveitamento? É feio fazer isso? Nossa mãe cozinha mal? De forma nenhuma. As culinárias francesa, italiana, espanhola deixaram essa lição. Grandes receitas são maternais, heranças que a gente recebe. Vejo o Brasil muito bem representado em suas cozinhas regionais, mas ainda mal representado nas afetivas. Então, o Dalva e Dito nasceu desse sonho. 
GOSTO- Desde o início já se preocupava com ingredientes brasileiros? 
ATALA- Essa preocupação sempre existiu. Se cada ingrediente tivesse uma cor, o Brasil teria a maior paleta de cores do mundo. Há dois momentos difíceis para um cozinheiro: um quando não tem nada para cozinhar e outro quando tem muito e vem aquela desagradável sensação de que vai perder tudo aquilo. É o que eu vivo no meu dia a dia. Há muita coisa para se trabalhar! A Embrapa fala de mais de 250 tipos de mandioca. Tenho um leque imenso de coisas da Amazônia, assim como do Cerrado. Uma vida inteira dedicada à cozinha brasileira ainda é pouco.
GOSTO- A região Sul não desperta sua curiosidade?
ATALA- O Sul do Brasil não tem a diversidade do Cerrado e está longe de ter a da Amazônia. Mas é o lugar onde as colônias deixaram as marcas mais profundas no cotidiano das pessoas. Tem uma inteligência naquela cozinha ali pela qual ando muito fascinado. Se gastronomia é a arte de levar uma receita ao seu melhor momento, a expertise que temos hoje do churrasco é gastronomia. Em qualquer lugar do mundo onde se for a um espeto corrido ou rodízio, o formato da picanha é igual, o processo de servir é o mesmo, o jeito que os caras seguram o espeto e a faca é igual. A gestualidade nesse caso foi tão bem pensada quanto a de se fazer um nigiri sushi ou a dos procedimentos de se abrir uma lagosta. A culinária do Sul do Brasil me fascina pela simplicidade e também pela precisão na execução. 
GOSTO- Ser garoto-propaganda do Caldo Knorr foi bom ou mau? 
ATALA- Foi muito bom porque eu ganhei um dinheiro que em anos de restaurante não ganharia. Para quem não sabe, não gozo de uma situação financeira polpuda. Montei o Dalva e Dito e quase fali. Graças a Deus, consegui virar a própria mesa e hoje a coisa caminha bem! O D.O.M. está bonitão, não está? Boa parte da reforma saiu do Caldo Knorr (risos). 
GOSTO -Como surgem as ideias dos seus novos pratos?
ATALA- Chef de cozinha é uma condição do profissional cozinheiro. Tem gente que fala que é chef, mas trabalha em casa. Então o cara não é chef, é cozinheiro e digo logo que isso é bonito. Eu sou um chef de cozinha porque tenho uma responsabilidade. Um chef não precisa apenas cozinhar bem. Ele também tem de extrair bons resultados de uma equipe e isso é outra mecânica. O fato de ser reputado como um dos chefs mais importantes do mundo me faz viajar. Tenho menos tempo para ficar na minha cozinha. Entretanto, não significa que minha função está descoberta. O Giovani, meu subchefe, cuida de tudo muito bem, continua fazendo o D.O.M. subir nos rankings, mantém os clientes satisfeitos. Sou menos chef do que já fui, mas jamais deixarei de ser cozinheiro. É muito mais fácil para mim ser criativo quando estou na cozinha porque ali posso experimentar. O insight acontece lá dentro. A criação vem junto com a execução. Nesses últimos anos, viajei muito e ficou mais difícil criar um prato novo. É no exercício de minha cozinha que sou mais profundamente criativo. De cara pro fogão. Ali 19 não é 20. 
GOSTO- A geração atual já perdeu a vergonha de fazer comida brasileira?
ATALA- Acho que sim, como perdeu a vergonha de usar uniforme, né? Lembro-me de que, nos anos 90, no Filomena, os meninos vinham estagiar comigo meio tímidos, querendo aprender a cozinhar, mas na hora de sair para balada, arrancavam a roupa de trabalho. Hoje quantos cozinheiros a gente vê pela rua! A profissão ganhou, o mercado ganhou, São Paulo ganhou. 
GOSTO - Por que os chefs têm hoje status de celebridade?
ATALA- Donos de restaurantes sempre foram celebrizados. Giancarlo Bolla é um exemplo disso. O chef, sim, ganhou protagonismo agora. Há um lado ruim nisso, mas há outro bom: a profissão ganhou notoriedade. No meu caso, não entrei na cozinha para ser famoso, mas não achei ruim ficar famoso. E, já que a fama veio, se aparecer a oportunidade de fazer dez Caldos Knorr, farei... (risos).
GOSTO- O sucesso da moderna cozinha nacional melhorou a autoestima dos brasileiros?
ATALA- Já há eventos montados exclusivamente para a cozinha brasileira. Isso é sensacional. O chef muitas vezes é apenas mais um: o produtor ganha evidência, a dona de casa ou a índia velha ganha evidência e aí a gente vê quanta cultura há por trás dessa rede. Eu entendo que um chef ganhe louros por fazer boa comida, mas o agricultor não pode ser esquecido. A gente não opera milagres. Não fazemos comida boa com coisa ruim. Essa cadeia precisa ser melhor entendida. Na França e em diversos lugares do mundo o cara põe no cardápio a procedência de seus produtos, tipo "aspargos de tal fazenda". Precisamos fazer o mesmo. Uma moça me mandou uma carta com uma caixinha de alho preto e hoje ela virou uma empresa. 
GOSTO- Um dia a gente chega lá?
ATALA- Sou muito confiante. Nosso país tem um cenário único. Tanto do ponto de vista de ingredientes como de cultura, de diversidade. Nosso país é um campo a ser semeado e que vai florir muito. Em um dos meus livros falo que meu maior sonho era ver ingredientes brasileiros nas prateleiras dos supermercados. Já estou começando a ver. Meu sonho está se tornando realidade na minha frente, em meu próprio tempo de vida.

Trechos da entrevista do Cheff Alex Atala à Revista TRIP

Entrevistas

            Para conhecer bem uma pessoa, nada melhor do que uma boa conversa.
            Vocês não acham?!
            Infelizmente, nem sempre isso é possível.
            Uma entrevista é um gênero textual que se inicia com uma conversa, a qual é transcrita e editada para publicação. Assim, para conhecermos melhor o cheff Alex Atala, podemos pesquisar as entrevistas que concedeu para importantes revistas brasileiras.
            Foi o que fizemos.
            Havia muito material, por isso, tomamos a liberdade de selecionar algumas perguntas e respostas.
            Estão servidos?


Trechos da Entrevista do Cheff Alex Atala à Revista TRIP
acessado em 28/02/2012 in: www.revistatrip.uol.com.br

            Entrevistar o chef Alex Atala naquilo que a física chama de CNTP, condições normais de temperatura e pressão, é tarefa impossível. Ou quase, já que suas "condições normais" significam invariavelmente alta temperatura e enorme pressão.
            Alex não para. Em São Paulo, de segunda a sábado, das nove às duas da manhã, se dedica ao D.O.M., seu premiado restaurante nos Jardins. Tem também um programa semanal no canal a cabo GNT. Se não está na cidade, provavelmente está na Europa, convidado para alguma importante mostra de gastronomia. Pode também estar na Amazônia, em sua insaciável busca por novos sabores, ingredientes e técnicas culinárias.
            Alex adora caçar. Pode ser na África, no Canadá, na Argentina ou na Ilha da Queimada Grande, no litoral paulista. Fanático por caça submarina, quando tem tempo prefere buscar a própria comida embaixo d'água. Ex-punk, com cerca de 20 tatuagens pelo corpo ("nunca contei"), é um cara de muita atitude, como se verá.

TRIP - Como é que você entrou nesse negócio de comida? 
ATALA - Entrei sem querer, cara. Entrei porque eu era um punk maluco e queria morar fora do Brasil. Fui para a Bélgica em 1989, precisava ganhar uma grana, fui pintar parede. Pintando parede, descobri a cozinha e comecei a ganhar uma grana cozinhando. Ou seja, atirei no que vi e acertei no que não vi.
TRIP - Você terminou o colegial e foi viajar?
ATALA- Terminei o colegial no supletivo, depois de ter voltado dessa viagem. Não sei se você sabe, eu fui estagiário da Trip. Trabalhei um mês na revista. Entre uma ida e outra para a Europa, eu estagiei na Trip. É que comecei a cozinhar numa época em que isso era coisa de analfabeto, nordestino ou veado. Então, não me via cozinhando pro resto da vida, queria me encontrar... Mas não nasci pra ser...
TRIP - Jornalista? 
ATALA - Eu nasci um cara errado [risos]. Dei certo sem querer.
TRIP - Escuta, o que você comia antes de começar a cozinhar?
ATALA- Qualquer coisa.
TRIP- Junk food? 
ATALA- Mas até hoje eu sou assim. Não tem essa frescura, as pessoas me veem e pensam que sou...
... super-refinado? Olha, eu nasci do jeito que nasci e vou morrer do jeito que eu sou, cara, não vou mudar. Eu não vou deixar de ser o que sou pra ganhar uma grana a mais. Não vou, não vou. Os meus meninos, aqueles que trabalham comigo na cozinha, são meninos com histórias muito parecidas com a minha, garotada que tá vindo de baixo aí, e trabalhando duro, enfim, minha história é tentar mostrar pra eles que na hora do trabalho é trabalho. Na hora de cozinhar, vamos fazer o melhor. Saiu do trabalho, vale tudo. Dou uma pilha tremenda pra eles. E também quero ser um cara acessível, por isso atendo bem qualquer pessoa. Pode ser jornalista, vendedor de bebida, fornecedor. Acho isso fundamental, porque parte da barreira que quebrei no Brasil é essa coisa de que chef tem de ser francês ou tem de ser gringo ou tem de ser popopó. Gastronomia virou a coisa mais babaca e pentelha nos últimos anos...
TRIP - Escuta, comida precisa ser feita com amor ou isso é cascata? 
ATALA - Tem de ser feita com entrega, não adianta. A cozinha tem uma prerrogativa: você pode ter ingredientes maravilhosos e por qualquer motivo fazer uma porcaria de prato. Mas nem com a melhor técnica e a maior concentração vai fazer um grande prato com porcaria. É isso.
TRIP - Entrega, nesse caso, não é sinônimo de amor?
ATALA- O amor vem da cozinha afetiva, da cozinha familiar. Daquela mulher que realmente tem prazer de dar prazer pras crianças, de alimentar, de produzir coisas que as pessoas vão engolir. Então, existe um ato de amor sim, maternal, a cozinha tem essa faculdade. Na cozinha profissional, se você não for um amante da sua profissão, não vai aguentar. Porque é almoço e jantar todo dia! É, acho que a palavra amor permeia toda a vida de um cozinheiro. Agora, não adianta amar a profissão e, na hora que você entra numa cozinha, ficar fazendo piada. Esquecer de provar uma comida, salgar de qualquer jeito, pegar um peixe e não guardar na geladeira. A comida de alta qualidade é um processo de muitas variáveis.
TRIP - Que variáveis são essas? 
ATALA- Começa na seleção do seu produto, na manutenção do seu produto, na transformação do seu produto. E não adianta você fazer um prato maravilhoso se não tiver um cara decente, sorridente e rápido pra botar na frente do comensal na mesma hora. Hoje em dia virou essa coisa de que o cozinheiro é o bacana. Fico incomodado, porque sem garçom não tem bom cozinheiro, sem um grande serviço de sala não tem um grande restaurante, sem um bom setor de compras não tem um bom restaurante.
TRIP - Desculpe a insistência, mas você não tem mesmo um prato preferido? 
ATALA- Graças a Deus, não, cara. Mas rabada é um prato afetivo. Um bifinho é um prato duas vezes afetivo, porque me lembro, muito criança, de pedir pra minha mãe um quilo de bife de presente de aniversário.
TRIP - Um quilo?
ATALA- É, um quilo, eu queria comer bife até morrer [risos]. Disso eu não me esqueço nunca.
TRIP - E você é bom de tiro ao prato?
ATALA- Atiro razoavelmente bem. Já cheguei a acertar séries consecutivas de 25 pratos. Agora, acertar e errar são inerentes ao exercício do hobby, da profissão, da vida. Saber aceitar o erro é o primeiro fundamento, talvez a maior lição que eu tenho da pesca, da caça e do tiro esportivo. É bom saber que a gente erra, erra muito — e não se doer por isso, cara.
TRIP- Escuta, e qual a maior besteira que você já fez, como chef?
ATALA-  Várias, cara, várias. Mas a maior foi quando resolvi servir crista de galo.
TRIP - Crista de galo?
ATALA- É uma fina iguaria do século 16, comida de reis. É feita como um confit, ou seja, cozida em gordura devagarinho. E foi uma tremenda cagada que fiz, quer dizer, não porque eu achasse que o prato não estava bom. Estou convencido e vou morrer acreditando que aquilo é muito bom. Afinal, eu não estava inventando, era uma referência histórica...
TRIP - Qual foi a reação dos clientes? 
ATALA - Ah, queriam me linchar quando eu botava na mesa.

Trechos da Entrevista do Cheff Alex Atala à revista ÉPOCA

Trechos da Entrevista do Cheff Alex Atala à revista ÉPOCA
Acessado em 02/03/2012 – www.revistaepoca.globo.com/época

(Tania Nogueira) Revista ÉPOCA - Seu arroz com feijão é bom?
Atala - É bom, mas o dia em que eu tiver o Brasil inteiro falando: ''Esse cara faz arroz com feijão melhor do que ninguém'', aí eu vou realmente acreditar que sou o melhor chef do Brasil.
ÉPOCA - Mas não é isso que marca a sua cozinha.
Atala - Não, mas é uma crença, um conceito da minha cozinha. É mais simples induzir as pessoas a dizer: ''Fui a um restaurante e comi um foie gras (patê de fígado de ganso gordo) com mandioquinha que estava ótimo''. Quantas vezes meus clientes comeram foie gras na vida para dizer que aquele era excepcional? Agora, tenho certeza de que todo cliente tem um repertório de vida comendo arroz com feijão. Ele vai falar assim: ''No mínimo, arroz e feijão esse cara faz direito''. Como ele pode avaliar pratos extremamente criativos? Será que ele não está sendo induzido porque alguém me deu prêmios ou porque alguém falou bem? No caso de uma cozinha como a minha, moderna, que junta mundos completamente diferentes e distantes, faz combinações ousadas, fica muito fácil a pessoa ser induzida. O que eu botar na frente dela, ela vai dizer que é bom.
que iria arrumar ingredientes? Tinha de assimilar o hábito cultural brasileiro. Hoje, uma coisa que me estarrece é que, em São Paulo, é mais fácil fazer cozinha francesa, italiana, árabe, japonesa do que a própria cozinha brasileira. Você não encontra restaurantes de comida do Amazonas, de Mato Grosso, do Piauí. ÉPOCA - Qual o segredo de seu feijão? 
Atala - Eu faço um feijão como minha mãe faz.
ÉPOCA - Sua mãe é brasileira? 
Atala -  Minha mãe descende de ingleses e irlandeses, mas nasceu no Brasil.
ÉPOCA - E faz feijão? 
Atala - Faz. Mesmo que ela quisesse fazer comida inglesa, onde é
ÉPOCA - O feijão com arroz que as pessoas comuns cozinham em São Paulo não é gastronomia tipicamente brasileira?
Atala - É a dieta básica brasileira. Em 80% do território nacional as pessoas comem arroz e feijão com mistura. Só isso já mostra qual o conceito da nossa alimentação cotidiana. Eu falo 80% porque em parte da região amazônica não se come arroz com feijão. O ribeirinho, o caboclo e o índio usam pouco o feijão. Mas o Brasil é imenso. Tem muitas outras cozinhas. É na verdade do Câmara Cascudo o único livro que a gente tem sobre alimentação no Brasil (História da Alimentação no Brasil, escrito no fim da década de 60). Pelo tamanho da mudança de lá para cá, me parece incrível que ninguém mais tenha feito um registro histórico depois disso.
ÉPOCA - Por quê? 
Atala - Hoje existem fenômenos culturais de alimentação incríveis. Em São Paulo e no Rio, por exemplo, você vai a uma churrascaria rodízio e encontra sushi. Rodízio é uma invenção brasileira e, junto com aquilo, você tem sushi, aspargos brancos, massa, tabule, tantas culturas representadas numa mesma mesa. Isso efetivamente é Brasil. Esse hábito alimentar ninguém descreveu ainda. E a gente está falando do mundo da alimentação popular. É uma expressão de cultura à qual a gente ainda não prestou atenção.
ÉPOCA - Como é elevar ingredientes da culinária regional à categoria de alta cozinha?
Atala - O chef é um cozinheiro. O que é ser um chef de um restaurante gastronômico? É só isso. Um garoto que começa na profissão hoje tende a olhar o chef, se espelhar nele. Às vezes até desdenha de uma baiana fazendo acarajé. Mas ambos são profissionais de cozinha que merecem valor igual. O chef bebe na fonte da intelectualidade e da cultura sofisticada, mas também da comida simples. Por que um sushiman é tão reverenciado no Japão? Aquele mestre é o cara que faz o que todo mundo faz, só que melhor do que os outros. Por que os chefs na França foram tão aclamados? Porque eles faziam cozinha francesa, coisas que os franceses comiam desde a infância, e tinha um cara que fazia com maestria. Você vai a uma praia em Salvador e encontra dez barraquinhas de peixe. Uma faz melhor. Aquele cara tem o trabalho de selecionar o melhor peixe. Além disso, ele compreendeu o processo. Então, ele põe o óleo na temperatura certa. Empiricamente, ele faz um processo corretíssimo e consegue, daquele ingrediente simples e de um método de cozimento rústico, um resultado excepcional. Então, é gastronomia! Dentro do patamar dele, ele está executando um trabalho de excelência.
ÉPOCA - Você acha que isso pode ser considerado gastronomia? 
Atala - Ele merece respeito. Acho que são primórdios da gastronomia. O profissional que faz o que o popular come com maestria está executando esboços de gastronomia, sim. Eu vejo a garotada nova hoje muito preocupada com princípios de química e física, com o que os chefs espanhóis estão usando, com a tradição da cozinha francesa ou da italiana, preocupada com coisas do outro lado do mar e esquecendo de coisas nossas. A França chegou aonde chegou por orgulho de sua cozinha. A Espanha também. A Itália é admirada por orgulho da cozinha familiar. Afinal, o berço da cozinha dela é caseiro. Não é profissional. Então, me parece que esses meninos não têm de sonhar em ser só chefs. Eles têm de sonhar em ser cozinheiros, como os que fazem arroz com feijão. 
ÉPOCA - A idéia do senhor é fazer algo semelhante à obra de Câmara Cascudo?
Atala - Puxa! Se eu conseguisse fazer isso, seria o grande sonho da minha vida. Adoraria ter a capacidade. Não acredito que eu tenha. O livro de Câmara Cascudo é um registro da alimentação brasileira com um cunho muito mais sociológico e antropológico do que culinário.
ÉPOCA - O que determina a assimilação de uma cozinha? O tempo de convivência?
Atala - Os árabes ou os japoneses não chegaram ao Brasil antes de à Europa. E, lá, não conseguiram imprimir o registro da cultura deles como aqui. Talvez o Brasil por ser muito mais miscigenado crie uma abertura à novidade gastronômica grande. O brasileiro é muito menos tradicionalista na hora de comer do que um francês ou um italiano. Um italiano vai a um restaurante comer comida italiana. Ele acha que o restaurante é bom se fizer melhor do que a mãe dele faz. O francês, também. O brasileiro, não, ele vai descobrir. Em São Paulo, a pergunta mais recorrente é: ''O que nós vamos comer hoje à noite?''. Existe um leque enorme, a gente tem dúvida.
ÉPOCA - Com isso, não se perdeu um pouco a comida regional?
Atala - A tradicional, não. A feijoada continua. O arroz com feijão continua. As regionais ficam um pouco oprimidas, sim. Mas as responsáveis por isso não são só as culturas estrangeiras. É a industrialização das comidas, a falta de orgulho. Você vai a uma fazenda simples, o dono quer  oferecer o que tem de melhor. Se vai fazer um franguinho com quiabo, não pega o que tem no quintal porque acha muito magrinho. Prefere pegar um frango congelado, que parece mais bonito. É como se a gente imaginasse que o popular é negativo, que há algo de errado em comer dobradinha, que é um prato que não pode estar num grande restaurante. 
EPOCA - Os ingredientes que você usa estão presentes em pratos da cozinha regional?
Atala - Sem dúvida. Eu uso filhote (um peixe amazônico), tucupi, melaço de cana, alguns tipos de farinha, tapioca, quiabo, jiló, chuchu, mandioquinha, mandioca, batata-doce, uma infinidade de ingredientes brasileiros que ainda são cotidianos, que muitas vezes têm aquele ar de popularescos.
ÉPOCA - Qual a diferença entre as pessoas que cozinham bem por hobby em casa e os chefs?
Atala - Essas pessoas são amadoras no melhor sentido da palavra. São amantes da gastronomia que a exercem por amor e recompensa. O chef é um artesão. Na gastronomia, busca-se a exponencialização do sabor. Quando eu vou comprar um peixe, por exemplo, não quero saber quantas porções me dá. Eu quero o melhor do peixe. A gente chega ao exagero de dizer: ''Eu não me importo de comprar o peixe mais caro, mas eu quero o que valha ser o mais caro''. O grau de exigência de um chef em relação ao produto que compra é alto. Muitas vezes ele faz renúncias financeiras em favor da qualidade.